Qual é o horizonte?

Hoje quero falar sobre tecnologia e deslumbramento. Sou a favor de ambas.

Constato que a educação emocional não acompanhou o desenvolvimento tecnológico.

Os comportamentos aditivos crescem exponencialmente. A sociedade está extremamente oral (necessidade de consumo imediato e de estímulo permanente) e, por isso, com muita dificuldade em gerir o vazio. Isto passa-se com crianças, jovens e graúdos. Basta observar à nossa volta o que está a acontecer. Os olhares estão, com muita frequência, postos no écran.

Olhar para o horizonte e para os olhos do outro já não é assim tão habitual. Paralelamente a isso, as doenças psicossomáticas, depressão e outras doenças mentais crescem exponencialmente, nomeadamente na infância e na adolescência, já para não mencionar os dados catastróficos de suicídio.

A sociedade tem que reaprender a estar em relação, sem o recurso ao virtual; precisa de aprender a usar a tecnologia em seu benefício. Parece-me que temos todos que assumir que é necessário agir quanto antes nesta matéria, sob pena deste fenómeno se transformar numa questão de saúde pública (se é que já não é).

Uns enviam emails à 1 hora da manhã, mas outros abrem esses emails. Somos todos responsáveis e coniventes. A facilidade de clicar em ENVIAR vai tomando conta dos nossos automatismos. E quem está do outro lado também sabe que poderá ter uma surpresa ao abrir a caixa de correio eletrónico. A ansiedade dá cabo de nós e, por vezes, é irresistível. Antigamente, podíamos escrever uma carta à 1 hora da manhã, mas só no dia seguinte íamos pôr a carta no correio. Os limites eram mais orgânicos. A resiliência era mais natural.

Pergunto também se será assim tão absolutamente vital que as empresas lancem novidades tecnológicas a toda a hora?! É a mesma coisa que dar dezenas de presentes a uma criança, em vez de 1 ou 2, para que ela possa mergulhar a fundo naquele brinquedo, explorá-lo até à exaustão, deslumbrar-se com o prazer que aquilo lhe dá. A isto chama-se MINDFULNESS. Ainda por cima, essa exploração promove a inteligência! A criança de dois anos, se não for ajudada a escolher, perde-se nos estímulos e transformar-se-á num adulto sôfrego, com dificuldades em perceber as suas necessidades e de estabelecer prioridades!!

A sociedade está a regressar a esse entusiasmo desenfreado dos 2 anos, mas sem que alguém nos dê limites! Antes de precisarmos, já temos as coisas a luzirem à nossa frente. O excesso de estímulos MATA O DESEJO (desejo é impulso orgânico). Queiramos ser donos do nosso próprio desejo, do nosso impulso para conquistar, do nosso direito de sentir, de procurar, de conseguir, de trabalhar para conseguir, de ter espaço para inventar! E que, já agora, a tecnologia esteja apenas lá para nos servir e ajudar.

Será que não podemos ter o melhor dos dois mundos?

Eu acho que se não tivermos perdido a capacidade humana de sonhar, poderemos mesmo ter o melhor dos dois mundos. É preciso, para isso, ter Limites e voltar ao vazio para resgatar o Desejo.

Maria Goretti Coelho

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