Testemunho, Maria Abreu

Há algum tempo atrás tive este sonho. Sonhei que estava num espaço aberto, sem paredes, um espaço que era apenas um imenso chão, um silencioso e sereno chão. Este chão estava pontuado por caixas, várias caixas grandes e pequenas, algumas gastas pelo tempo, outras intransponíveis, onde nunca ousaria entrar. Sem um destino certo, eu caminhava entre estas caixas, e, a cada passo dado, ia saindo destas caixas um longo colar de memórias: brinquedos mais ou menos antigos, fotografias de pessoas e lugares, livros amados, sapatos de menina à descoberta de mundo, uma singela flor... até que me detive junto de uma caixa muito, muito pequena, abrindo-a.
Neste momento mágico aproximou-se uma mulher bailarina que, delicadamente, me ofereceu a sua mão.
Eu entrego-lhe o que descobrira naquela minúscula caixa: um grão de areia. Com este breve toque, as nossas mãos, braços, corpo, transformam-se em ramos e tronco que se unem e florescem, então num bater de asas voa um pássaro de fogo, semeando estrelas nos nossos cabelos. Choro emocionada lágrimas que vão regar os pés de uma outra bailarina, e outra, que correm chão fora num sussurrar de água fresca, água fértil que cresce, cresce, formando um lago que procura um mar de vida que brota e povoa o meu sonho. Quando faço um rascunho do meu testemunho no Dançar com o Coração, sinto-me uma criança a correr mar adentro em direção à próxima onda, tentando apanhar com as mãos este grandioso pulsar de vida que me vai escorrendo pelos dedos.
Talvez este seja o que, por momentos, consegui reter na concha das minhas mãos, ficando-me gravado na pele o sentir deste mar revolto e sereno que é o Dançar com o Coração.

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